A abordagem psicológica do comportamento humano
nas organizações abortou devido aos impasses das explicações anteriores. O
estudo empírico da tomada de decisão nas e pelas organizações, ao possibilitar
a substituição do modelo clássico da racionalidade onisciente pelo modelo
empírico da racionalidade limitada ou relativa, vieram exigir a inversão do
modo de raciocínio empregado e renovaram por completo nossa visão do
funcionamento das organizações.
Essa
verdadeira desconstrução de todas as premissas do modelo clássico da
racionalidade, umas após outras, é o resultado dos trabalhos de um grande
número de autores que para isso contribuíram. É, contudo, a Herbert Simon e ao
grupo que ele animou no Carnegie Institute of Technology que cabe o mérito de
ter fixado as bases decisivas para renovar por completo nosso raciocínio sobre
a racionalidade, ao propor o conceito de racionalidade limitada.
O
ponto de partida de Simon é duplo:
Por
um lado, o sentimento de que a teoria das organizações só tem utilidade e
justificação caso se admita que a racionalidade humana está sujeita a
limitações e que essas limitações estão elas próprias dependentes do contexto
organizacional em que se situa um determinado responsável por decisões.
Por
outro lado, uma profunda insatisfação com o que considerava ser a tendência
irracionalista das ciências do comportamento de então. Em sua opinião elas
satisfaziam-se com demasiada facilidade com a demonstração de que os
comportamentos humanos não correspondem de modo algum às hipóteses de
racionalidade perfeita, em lugar de procurarem saber por que esses
comportamentos aparentemente irracionais talvez não o sejam.
Daí
sua convicção de que uma teoria da ação administrativa deve ser construída
sobre uma teoria da escolha racional, já que o comportamento humano nas
organizações, mais do que em qualquer outro lugar, deve ser considerado como
"desejado de forma racional".
O
modelo da racionalidade onisciente (Simon fala, a propósito, de racionalidade
objetiva) repousa sobre três premissas essenciais. Neste modelo, considera-se
que o decisor:
-
Detém todas as informações e uma capacidade ilimitada para seu tratamento;
-
Procura a solução ótima entre todas as opções possíveis;
-
Tem uma idéia clara quanto às suas preferências, que são consideradas
consolidadas de uma vez por todas,
estáveis, coerentes e hierarquizadas.
São
as duas primeiras premissas que constituem o alvo das críticas e das propostas
de Simon. Em uma série de publicações ele argumenta que toda e qualquer opção é
sempre feita sob pressão e que a racionalidade humana é limitada por duas
grandes coações de certo modo irredutíveis.
Por
um lado, a informação de um decisor é sempre incompleta porque o conhecimento
das conseqüências das diferentes possibilidades de ação e do seu valor no
futuro é sempre fragmentário e, devido a razões de toda ordem (falta de tempo,
falta de imaginação, falta de atenção), apenas um pequeno número das soluções
possíveis é realmente ponderado.
Por
outro lado, nenhum decisor está apto a otimizar suas soluções, uma vez que a
complexidade dos processos mentais que uma verdadeira otimização implica
supera, e muito, as capacidades de tratamento da informação e de raciocínio do
ser humano. Em lugar do raciocínio sinóptico (reduzido) postulado pelo modelo
de racionalidade onisciente, o decisor põe em prática um raciocínio seqüencial
no qual, a partir de uma idéia mais ou menos precisa do que seria uma solução
aceitável, examina uma a uma as opções que se lhe oferecem e dirige sua escolha
à primeira que corresponde essa idéia. Segundo as palavras de Simon, não
otimiza, contenta-se com uma solução satisfatória.
A
noção de racionalidade limitada significa uma completa renovação do modo de
raciocínio empregado. Em vez de criticar o decisor por não se comportar segundo
os padrões do modelo clássico e de procurar induzi-lo a conformar-se mais com
esse modelo, deve-se estudar e compreender o comportamento do decisor a partir
de uma investigação e de uma reflexão em duas direções:
A
primeira tem a ver com as condições contextuais ou, se quisermos,
organizacionais e sociais da tomada de decisão, isto é, com a estruturação do
campo de ação, de que as características, as regras, os equilíbrios de poder e
os sistemas de alianças condicionam a percepção e, por conseguinte, a
racionalidade dos decisores.
A
forma como concentram a atenção e os esforços nos diferentes problemas limita todos
os seus conhecimentos e possibilidades de busca de soluções, ou possibilidades
de ação ou, em termos mais gerais, provoca ou impede os contatos entre os
problemas, as soluções e as situações de decisão.
A
segunda refere-se aos critérios de decisão, ou se quisermos, das preferências
que os decisores utilizam, consciente ou inconscientemente, para escolherem
entre as opções que se lhes oferecerem. Situadas fora da formulação inicial de
Simon, essas preferências e as condições e processos de sua emergência, de seu
desenvolvimento e de sua mudança têm estado no centro de uma série de reflexões
que aos poucos foram esvaziando de conteúdo a terceira premissa do modelo
clássico.
Retomando,
aprofundando e estendendo as conclusões de Festinger sobre a dissonância
cognitiva, esses trabalhos mostram que as preferências de um decisor num
determinado momento não são precisas, coerentes e unívocas, mas, ao contrário,
múltiplas, fluidas, ambíguas e contraditórias, que não precedem necessariamente
a ação e que podem também ser-lhe posteriores, que não são estáveis e
independentes das condições de escolha, mas, ao contrário, adaptativa e
sujeitas a modificações endógenas (interiores), isto é, produzidas pela própria
situação de escolha, e que não são intangíveis, mas, ao contrário, estão
submetidas a manipulações voluntárias ou involuntárias conscientes ou
inconscientes por parte dos decisores.
Daí
resulta a necessidade de afrouxar os laços entre o comportamento de um
indivíduo e suas preferências, representações e propósitos. Os dois não estão
ligados nem de forma estreita ou cerrada (podem coexistir gamas de
comportamento relativamente variadas com um mesmo conjunto de preferências) nem
de forma unívoca (as preferências num momento podem induzir a opções do mesmo
modo que as opções podem induzir preferências). Em outros termos, deve-se não
só aceitar uma visão menos intencional e linear da ação humana, mas também
reformular as concepções normativas da decisão nessa conformidade.
Convém
sublinhar o alcance heurístico do que podemos designar por uma verdadeira
desconstrução da noção de preferência. Estendendo e completando a noção
simoniana de racionalidade limitada que, na verdade, implicitamente a invocava,
chama a atenção para a natureza essencialmente contingente e oportunista do comportamento
humano. Sendo sempre o produto simultâneo de um efeito de disposição e de um
efeito de posição, não pode ser pensado isoladamente das pressões e das
oportunidades que os contextos de ação fornecem aos indivíduos. Desse modo,
permite que nos libertemos do que D. Wrong designou como uma concepção
hipersocializada do homem, que procura no passado dos indivíduos e em suas
experiências marcantes de socialização a explicação dos seus comportamentos
presentes. Aqui, as características do contexto de ação presente tornam-se tão
importantes quanto o passado para compreender os comportamentos, e os
indivíduos recuperam um mínimo de distância e de autonomia face a seus valores,
normas e experiências.
Ao
mesmo tempo, ela permite relativizar o papel das intenções e do cálculo nos
comportamentos humanos. Só raramente os indivíduos têm preferências ou
objetivos claros. Sobretudo, nem sempre têm tempo para calcularem suas atitudes
em função dessas preferências. São levados a tomar medidas necessárias para se
protegerem, o que pode obrigá-los a reconsiderar as finalidades de sua atuação
no meio do percurso, ou a inventar ou descobrir outras, a
"racionalizarem" sua ação. É, portanto, ilusório considerar
comportamento humano sempre refletido, isto é, mediatizado através de um
cálculo a partir de objetivos previamente fixados.
Basta
analisar tal comportamento como ativo, ou seja, como uma escolha efetuada sob
pressão dentre um conjunto de oportunidade presentes num dado contexto, ou até
como uma adaptação ativa e razoável às oportunidades e pressões existentes num
determinado contexto. Ao tornar passíveis de uma análise racional todos os
comportamentos humanos, sem tecer juízos prévios sobre a origem, a substância
ou o conteúdo de sua racionalidade, esta visão abrangente da racionalidade
permite estabelecer um utilitarismo metodológico, isto é, um método de análise
das organizações e da ação organizada que recorre à hipótese de uma
racionalidade utilitária ou "estratégica" dos comportamentos para
descobrir, através dos desvios dessa racionalidade, os elementos racionais e
irracionais (afetivos, ideológicos, culturais, etc.) da estrutura do campo, ou
seja, as características do jogo ou dos jogos em que os indivíduos estão
envolvidos.
Até a próxima...