quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Do homem manipulado ao homem complexo: os impasses de uma abordagem psicológica

As teorias clássicas das organizações nunca consideraram o comportamento humano como um problema. Os comportamentos negativos que eram verificados e que se pretendia corrigir eram sempre considerados resultado de estruturas de trabalho mal concebidas e mal concretizadas. Nunca se entendia um mau comportamento como fruto da irracionalidade humana no trabalho. Todos os problemas eram imputados à aplicação deficiente de preceitos da ciência da organização, ciência essa que estava sendo construída.
            Essa ciência organizacional criou o postulado homo economicus, que procurava provar que os comportamentos humanos eram completamente previsíveis. Segundo esse postulado cada agente era sempre racional, ou seja, sempre procurava alcançar o máximo de ganhos materiais possível. Quando a experiência prática desse postulado foi realizada nas fábricas da Western Electric em Hawthorne, mostrou resultados exatamente contrários! A partir daí começou-se a verificar que o comportamento humano nas organizações é muito mais complexo do que se imaginava, provocando um novo tema para reflexão e estudo.
            Essas experiências foram organizadas com a finalidade de controlar um estudo clássico sobre a influência de certas condições materiais de conforto na produtividade dos operários (no caso, as condições de iluminação). Tinha-se como certo de que os resultados mostrariam claramente que a melhora nas condições de conforto material repercutiriam positivamente na produtividade dos operários, de acordo com a hipótese do homo economicus. Os resultados, inexplicavelmente, foram totalmente contrários, levando os responsáveis a imaginar que teria havido algum erro de cálculo. Para verificar onde estava o erro, decidiu-se realizar outra série de experiências.
            Numa oficina destinada à montagem de pequenos circuitos elétricos a serem integrados em aparelhos eletrodomésticos, escolheu-se um pequeno grupo de voluntários. Esse pequeno grupo deixou a oficina tradicional e foi trabalhar numa oficina separada, sob as ordens de supervisores especiais: trata-se do relay-assembly-test-room. Em seguida, nessa oficina separada, introduziram-se variações no regime de trabalho desse grupo-teste (tempo de descanso, modo de remuneração, duração do trabalho etc.) durante treze períodos, durante os quais foi sendo registrado, cuidadosamente, todos os dados que pudessem fornecer informações sobre o "moral" e sobre a produtividade. No aspecto moral considerou-se o ambiente, as relações interpessoais, a satisfação individual etc.. No aspecto produtividade considerou-se a eficácia do trabalho desenvolvido. Os resultados foram idênticos ao anterior, mostrando que não houve qualquer erro de cálculo!
            Os resultados dessa experiência e da anterior revelaram que, assim que o grupo selecionado iniciou seu trabalho na nova oficina houve um aumento, tanto no aspecto "moral" como no aspecto produtividade, totalmente independente de qualquer variação das suas condições de trabalho, que foram sendo modificadas nos treze diferentes períodos. E mais: mesmo quando as condições de trabalho voltaram as mesmas do início, a partir do décimo terceiro período, os aspectos produtividade e moral continuaram basicamente em alta, sem sofrer qualquer queda significativa.
            Numa ótica clássica, onde as reações comportamentais do indivíduo são consideradas previsíveis e perfeitamente racionais, esses resultados eram inexplicáveis. Mas foi graças a uma análise secundária procurando-se observar as implicações das condições humanas e sociais em que a experiência tinha sido realizada (estilo de vigilância participativa, possibilidades de interação entre operários etc.) que se descobriram as explicações para tais resultados, que inicialmente pareciam uma contradição. Chegou-se a conclusão de que existe uma importância muito grande dos sentimentos, dos fatores afetivos e dos fatores psicológicos no comportamento humano nas organizações.
            Essa descoberta, que pode ser banal hoje em dia, foi considerada, na época, uma grande inovação, cujo alcance foi considerável! Correspondia a um notável enriquecimento da visão do homem no trabalho: o indivíduo não é movido unicamente pelo apetite de ganho. Ele é igualmente motivado por sua afetividade e por suas necessidades psicológicas mais ou menos conscientes. Não é apenas a mão que o move, mas também o coração. Essa descoberta veio, portanto, dar origem a uma importante corrente de investigação e de ação: o movimento das relações humanas.
            A forma experimental do movimento das relações humanas procurava explorar essas novas motivações sentimentais ainda desconhecidas e examinar as suas conseqüências para o funcionamento das organizações. Esse estudo estimulou, direta ou indiretamente, uma série de investigações experimentais de orientação antropológica (grupos humanos) e por assim dizer etnológica (aspectos culturais) que passaram a ser os pontos altos da sociologia industrial, da sociologia ou psicossociologia do trabalho e da sociologia da burocracia tanto nos Estados Unidos como na Europa.
            Os resultados, agora clássicos, desses trabalhos, vieram renovar por completo nossos conhecimentos. As análises que fazemos da vida concreta nas organizações tanto nas bases como no topo, das práticas e da eficácia das relações hierárquicas e de autoridade, assim como da realidade das interações informais que se estabelecem e se ocultam por trás das estruturas formais são a partir de então profundamente diferentes.
            Na prática o movimento procurava utilizar os conhecimentos acumulados para melhorar os resultados de conjunto das organizações, alterando a qualidade das relações humanas, principalmente por meio de uma direção mais participativa e de programas de formação extensiva de seus funcionários.
            Entretanto, as contribuições dadas no plano conceitual e intelectual, principalmente em termos de raciocínio organizacional, acabaram por se revelar decepcionantes. A verdade é que o raciocínio organizacional permanece prisioneiro da visão tayloriana de um indivíduo passivo no trabalho, respondendo de forma estereotipada (inalterável) aos estímulos a que é submetido.
            A única diferença que se verifica é que se acrescentou estímulos afetivos aos estímulos econômicos anteriormente entendidos. A introdução da afetividade no raciocínio trouxe uma considerável complexidade nesse estudo. Foi desenvolvido, então, o postulado de uma "natureza humana", com propriedades e necessidades inventariáveis, previsíveis e, logo, influenciáveis também.
            Por causa desses postulados essa corrente de estudos foi muitas vezes acusada por sindicatos e por estudiosos de apresentar uma característica conservadora e também manipuladora. Isso também explica as razões de ter caído na psicologização do estudo das organizações, característica dos trabalhos de toda uma corrente de investigação que, extremamente influente, sobretudo nos meios da gestão e nas business-schools, conheceu seu apogeu durante os anos 60.
            De acordo com a leitura motivacional de Maslow, esses autores imputam aos membros de uma organização uma série de necessidades psicológicas que estes procuram satisfazer mediante sua participação na organização. Essas necessidades são hierarquizadas e variam em função das etapas de desenvolvimento individual e social. Todavia, num determinado momento, são relativamente estáveis e uniformes. As dificuldades e os conflitos organizacionais têm sua origem numa falta de compatibilidade entre essas necessidades e as oportunidades e restrições impostas pelas estruturas organizacionais, ambas tratadas como variáveis independentes.
            O caráter redutor e indevidamente normativo do raciocínio que leva a postular para os indivíduos, e conseqüentemente para as organizações, um modelo ideal e único de saúde psicológica não escapou a esses autores. Daí que Argyris, perante comportamentos de apatia que não correspondem ao esquema teórico do homem que procura realizar-se, se veja reduzido a pôr em prática uma espécie de marxismo ao avesso e a falar de necessidades "recalcadas" ou "reprimidas".
            Outros autores atenuaram consideravelmente o esquema explicativo, introduzindo a noção de "homem complexo". Esta noção tem o mérito de aceitar a multiplicidade das motivações que caracterizam as situações reais e, ao mesmo tempo, de restituir de certo modo aos indivíduos sua autonomia face às suas próprias necessidades: voltam a ser ativos e, logo, fundamentalmente imprevisíveis. Paradoxalmente, porém, marca o fim da tentativa de basear uma explicação do funcionamento das organizações numa abordagem puramente psicológica.

Até a próxima...


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